terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Direitos Indígenas – Um longo caminho a percorrer


Foto e Texto de João Ricardo Gomes

A Guatemala é actualmente um país da América Central com cerca de 13 milhões de habitantes, dos quais 65% são indígenas Maias. Mas sobre as fronteiras desenhadas a régua e esquadro pela antiga oligarquia da qual nasceu a sua independência em 1821, o actual território é uma importante parte daquela que foi uma das mais importantes civilizações destruídas pela conquista espanhola. Assim que o território Maia se estende a Chiapas e Yucatán no México, Belize, e ao sul, parte dos territórios das Honduras e El Salvador.
Há aproximadamente 4000 anos surgiu uma das mais incríveis e, ao mesmo tempo, desprezadas civilizações humanas. Com conhecimentos matemáticos avançadíssimos, levaram até a perfeição a contagem do tempo e levantaram grandes cidades, hoje ruínas desse mundo destruído pela intolerância e fanatismo religiosos, aliadas à ganância e cobiça dos conquistadores espanhóis. De um erro de navegação de Cristóvão Colombo, em 1492, nasceu um dos eventos mais marcantes da História Universal, a Descoberta da América. Heróis ou vilões? Nada mais desprezível que chegar a um continente e afirmar que o descobriu, sem ter em conta que aí viviam pessoas e depois reclamá-lo para suas majestades os reis católicos.
Em 1524 começou a invasão castelhana liderada por Pedro de Alvarado e até aos nossos dias, apenas durante a chamada revolução democrática de 1944 a 1954, houve uma abertura social e política na qual os povos indígenas foram tomados em conta. Antes disso, nem com a declaração de independência que desfez o sonho de uma república centro-americana e que retalhou em pedaços territórios, que hoje conformam os actuais países deste istmo que une o Norte e o Sul da América, os povos indígenas foram actores de transformação activos. Essa revolução democrática, encabeçada pelo presidente Juan José Arébalo e Jacobo Arbenz, que entre varias reformas devolveu as terras não trabalhadas aos indígenas, foi interrompida por uma invasão mercenária comandada pela CIA, ao interesse de grandes corporações norte-americanas, como a United Fruit Company, hoje conhecida como Del Monte.
São 500 anos de história de resistência aquela que os actuais Maias têm para contar, motins, levantamentos, revoltas, culminando no levantamento armado que começa nos anos 60 do século passado. Desde então, o levantamento significou um ressurgir da dignidade indígena que começa a tomar forma num grande movimento popular com consciência étnica e com o objectivo de construir um país multicultural onde caibam as 22 etnias Maias, o povo garífuna descendente de escravos africanos, o povo xinca, branco e mestiço. A resposta da minoria branca, financiada e armada pelos governos dos EUA e Israel, foi a de uma repressão brutal que culminou em 200 000 mortos e mais de um milhão de refugiados. Em 1992, Rigoberta Menchú, indígena quiché ganha o Prémio Nobel da Paz, mas foram precisos mais 4 anos para a assinatura dos Acordos de Paz.
Estes, assinados entre a União Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG), o Governo e a ONU, visavam estabelecer um conjunto de reformas constitucionais, entre as quais o reforço dos poderes civis, em detrimento do poder militar; o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas em conformidade com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). De facto, o número de efectivos militares foi reduzido, mas as elites, de origem europeia, mantiveram-se no poder. Efraín Rios Montt, antigo presidente e mentor da “Política da Terra Arrasada”, era, na transição do milénio, Presidente do Congresso de Deputados. Os principais generais assassinos e genocídas, chefes de Esquadrões da Morte, paramilitares formados pela Escola das Américas, EUA, ocupam hoje impunemente lugares de poder no activo.
Assim, a História deste país é algo que necessita ser escrita pelos legítimos habitantes deste lugar. Algo bastante difícil, uma vez que actualmente, o país, debaixo do governo do supostamente liberal e “esquerdista” Álvaro Colom, legalizou há um ano a pena de morte e vive uma situacao de violência onde o negócio da segurança privada cresce assombrosamente. Por exemplo, estão hoje contabilizados 250 000 agentes de segurança privada armados no país para um número de 30 000 polícias. O Estado não existe na Guatemala. Tudo condições excelentes para a entrada em forca dos grandes projectos de multinacionais: construção de mega-barragens, minas, plantações de bio-diesel, campos agrícolas de experiência transgénica. Aqui, e diga-se, do México ao Panamá, o projecto neo-liberal é assustadoramente gigantesco e os povos indígenas não estão convidados para a grande festa.
Falamos de milhares de comunidades cuja existência está ameaçada, já que nem as escassas leis de defesa dos direitos indígenas, conquistadas nos anos 90 são respeitadas. Arriscamo-nos a que se perca o que sobra da cultura Maia e o pouco que reste seja reduzido a folclore para turista ver. Por, isso, e na perspectiva da defesa da diversidade cultural, da cultura enquanto forma de vida corrente, o SOS RACISMO, está comprometido no apoio aos povos indígenas neste país. Ao longo deste curto mês serão relatadas algumas histórias de resistência actuais.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

ENCONTRO ENTRE ASSOCIAÇÕES SOS RACISMO E SIEMBRA – ILHAS CANÁRIAS


No dia 6 de Novembro de 2008, uma delegação do SOS RACISMO reuniu-se em Las Palmas, nas ilhas Canárias, com a Associação SIEMBRA.

O objectivo principal é estender uma ponte no que diz respeito à solidariedade internacionalista, mais concretamente o trabalho e participação em comunidades indígenas na Guatemala. Foi esse, aliás, o resultado final do encontro, em que a partir daí, ambas as associações trabalharão em conjunto com esse objectivo, estando também as portas abertas para outro tipo de colaboração.
No debate partilhámos a nossa visão crítica do mundo em que vivemos, desde as causas do racismo actual, que se baseiam em interesses económicos de dominação estratégica de recursos, força de trabalho, etc. Discutimos políticas de imigração na Europa, as causas das deslocações massivas de pessoas de um país para outro, o empobrecimento dos países às mãos de multinacionais e governos cúmplices. Percebemos fundamentalmente que os problemas ligados à imigração não se resolvem só na origem ou só no destino, uma vez que contra todas as fronteiras, o planeta não deixa de ser esse lugar redondo que pertence a todas as pessoas. O que se conversou foi o ideal para percebermos que estamos de acordo nos princípios críticos essenciais e na visão da solidariedade para então se abrir a ponte para que o SOS RACISMO passe a ser um veículo que alargue o trabalho desta associação nas comunidades indígenas da Guatemala. Mas para melhor percebermos o que se pretende aqui, passamos a apresentar a associação canária SIEMBRA.

TRANSFORMAÇÃO E SOLIDARIEDADE

Oficializada em 1993, esta associação mantinha desde já há uns anos um trabalho presente como brigadistas internacionais nas Comunidades de Povoação em Resistência, na Guatemala. Após duas décadas de resistência a um exército agressor, fugindo a uma política etnocida, estas comunidades aparecem à luz pública apoiadas por largas dezenas de voluntárias que serviam essencialmente de escudo humano a comunidades desprotegidas. Voluntárias, sobretudo, do Estado Espanhol, onde se incluíam algumas das fundadoras da associação SIEMBRA.
Assinados os Acordos de Paz entre exército e guerrilha em 1996, começa uma nova etapa no trabalho entre as brigadistas e as comunidades indígenas. E a partir daqui se pode começar a entender bem o tipo de trabalho da associação - que marca uma postura crítica às "ajudas humanitárias"e ONG's tradicionais - baseado sobretudo numa interpretação discutida e clara da palavra solidariedade e que se resume na tentativa de criar situações de igualdade.
Dentro de um marco de colaboração entre uma associação vinda do mundo ocidental e outra do mundo dito "terceiro", existe algo muito importante a ressalvar e que constitui um pilar essencial: nós não nos deslocamos à Guatemala para salvar ninguém. O trabalho solidário é recíproco, enquanto voluntárias, as pessoas aprendem e partilham. É dentro dessa filosofia que estão marcados os princípios básicos do trabalho com as comunidades maias.

SIEMBRA parte de um princípio no qual a solidariedade nos iguala, enquanto que a caridade rebaixa e humilha; por ser horizontal ela levanta as oprimidas e abre possibilidades mais verdadeiras de unir esforços e gerar sabedoria mútua para transformar as relações desiguais que aí se podem gerar.
Desde esse princípio, o trabalho nas comunidades indígenas começa por um processo de observação e convivência, pois não se pode chegar do mundo ocidental e cair no erro de impor o que para nós são necessidades, sem ter presente um diagnóstico mais real das necessidades das mesmas. Quer dizer, enquanto brigadistas a nossa primeira tarefa será aprender. Aí, depois de uma ideia mais clara começar a surgir, nascem propostas de projectos que poderão beneficiar as pessoas, projectos esses que são sujeitos à discussão popular e à aprovação, ou seja, a democracia real funciona sempre respeitando os costumes e hábitos culturais.
Uma vez aprovado (algumas vezes não o são) o projecto estabelecem-se relações de transparência, onde questões monetárias são controladas por ambas as partes; relações de co-responsabilidade onde as voluntárias da associação evitam relações paternalistas, assistencialistas e etnocêntricas. Aliás, à postura não etnocêntrica junta-se outro princípio que é o do respeito à diversidade cultural, nunca julgado nos momentos em que o choque cultural nos possa incomodar e mantendo uma postura respeitadora com hábitos e tradições, mas estando também atentas às manifestações culturais que se baseiam em pilares que criam desigualdades. Um dos casos é a crítica a situações de desigualdade de género, mas sempre com a postura não paternalista e não etnocêntrica de que chegamos às comunidades para ensinar-lhes o que são os direitos humanos.
Para concluir, muitas das voluntárias que estiveram na Guatemala, afirmam ter aprendido mais nas suas experiências do que propriamente ter ensinado. E é isso que o SOS RACISMO quer também ajudar a fazer, abrir as portas a este lugares às pessoas que se sintam com vontade de beber de outras culturas.

O PAPEL DO SOS

A partir daqui, através do SOS RACISMO, será possível deslocar-se às comunidades indígenas na Guatemala. Da nossa parte responsabilizarmo-nos pela formação e coordenação no terreno das voluntárias.
Antes da partida qualquer pessoa será informada da situação política, histórica e social do país e das comunidades em questão. Será também importante discutir e estar informada daquilo a que se pode chamar um código de conduta dentro das comunidades. São condições essenciais de preparação para qualquer pessoa, sendo que em todos os casos as pessoas estarão sempre na Guatemala com alguém responsável, sempre que isso seja possível.

Assim, informamos o seguinte:


- Correio electrónico para contactos: sosguatemala@gmail.com
- Em finais de Janeiro e durante o mês de Fevereiro estará um membro do SOS RACISMO na Guatemala a coordenar um projecto. O blogue do SOS Racismo Porto terá aqui um espaço privilegiado de comunicação numa espécie de diário. Na barra lateral ficará também um link para essas entradas.

Ficamos à vossa espera, dos vossos comentários e sugestões.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Declarações de D José Policarpo são um incentivo à islamofobia - Comunicado do SOS Racismo



As declarações hoje, vindas a público, de Dom José Policarpo sobre diálogo inter-religioso, em que, escandalosamente, aconselhou as jovens portuguesas a não casarem com muçulmanos, declarando: "pensem duas vezes em casar com um muçulmano, pensem muito seriamente, é meter-se num monte de sarilhos que nem Ala sabe onde acabam", são manifestamente discriminatórias e islamófobas e consequentemente inaceitáveis porque ferem o princípio da não discriminação com base na religião.
Desde o 11 de Setembro, a islamofobia tem vindo a crescer no mundo ocidental e as declarações de D.josé Policarpo enquadram-se, aliás, no que disse o responsável máximo da Igreja Católica, o Papa Bento XVI, a 12 de Setembro de 2006, na sua polémica palestra "Fé, Razão e Universidade: Recordações e Reflexão" na Universidade de Regensburg, na Alemanha, onde aproveitou para vilipendiar o islão.
Numa sociedade cosmopolita e num contexto político global onde os fluxos migratórios representam um contributo indispensável para o futuro das nossas sociedades a todos os níveis, quer demográfico, quer cultural, quer económico, etc., as declarações do Patriarca de Lisboa são a prova da cegueira racista e xenófoba dos defensores do "choque das civilizações" e um sinal da incapacidade em conviver com a diversidade e respeitar a diferença.
O SOS Racismo repudia veementemente estas declarações e exige bom senso e sentido de responsabilidade das autoridades religiosas para não sedimentarem preconceitos, alimentando ódios e legitimando racismos.

SOS Racismo

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Formação Direitos Humanos - Observatório Direitos Humanos


Estão convidados para comparecerem ao primeiro módulo de formação do Observatório dos Direitos Humanos, que terá lugar na sede do SOS Racismo no próximo sábado, pelas 15h.

Quem quiser comparecer, por favor confirme, enviando um mail para dh.observatorio@gmail.com