sábado, 28 de março de 2009

Comunidades indígenas, perceber a perpetuação da resistência e do colonialismo


Foto: Ricardo Gomes

Aqui começamos a perceber, através do trabalho do SOS, uma das várias realidades que formam parte da vida de milhares de pessoas nas zonas mais remotas da Guatemala.

Fica, desde já, o compromisso de um texto mais geral sobre a história do país, mas para já apenas podemos começar por tentar entender que as actuais condições em que vivem milhões de indígenas camponeses, são uma herança muito pesada do colonialismo que hoje assume novas formas. Assim, por exemplo, estamos numa região onde o cardamomo, aurífera especiaria, é comprado aqui ao preço de 60 cêntimos por quilo às famílias produtoras, fruto de um monopólio familiar que constitui o único comprador no país.

Ironicamente chama-se a região de Zona Reyna, onde vivem cerca de 20 000 pessoas, divididas por 86 comunidades de diversas etnias e também ladinos, ou mestiços. São essencialmente camponeses, praticando uma agricultura de subsistência, onde o milho, feijão, xuxu, inhame e ervas constituem a alimentação básica. Pouca fruta e carne, cultivada e criada para venda, causam sérios problemas de desnutrição. Exportam, como já dissemos, cardamomo e café.

Parte do departamento de Quiché, estão debaixo da governação municipal de Uspantán, cujo presidente, corrupto e vendido aos sectores oligarcas e transnacionais vê na região uma mina de ouro para o seu enriquecimento pessoal. Daí surgir a alternativa de criar um novo município como forma de manter os recursos naturais longe de mãos gananciosas e sobretudo controlado pelas comunidades.

Assim, desde Agosto de 2008, um grupo de companheiras das Ilhas Canárias iniciou um compromisso de assessoria técnica, política e social, a pedido do recém criado “Comité ProNuevo Município”. Um grupo de pessoas, representando as comunidades, está a elaborar os primeiros trâmites para a criação de uma nova edilidade, tais como recolha de assinaturas e recolha de todos os dados estatísticos necessários para a realização de tal processo. Assim, em Agosto do ano passado, foram elaboradas centenas de entrevistas a líderes comunitários, foi estimulada a participação popular para a elaboração de uma Memória onde se apresentam todos os dados recolhidos. A responsabilidade da apresentação e entrega desse relatório ficou a cargo do SOS. Assim, no dia 15 de Fevereiro, reunimos os líderes das comunidades para discutir, trabalhar dados e lograr que fossem eles e elas a fazer a apresentação diagnosticada do resumo geral. Eram apresentadas em seis eixos temáticos, tais como infraestruturas, produção e comercialização, comunicação e participação, saúde, educação e recursos energéticos, analisados debaixo de um processo muito comum na região conhecido por DAFO, iniciais para Debilidades, Ameaças, Forca e Oportunidades.

Seria muito extenso elaborar toda essa lista discutida na reunião, mas interessa nomear alguns dos problemas gerais das comunidades. Assim, pela ordem de eixos acima descrita, faltam estradas, água potável, casas; muitas famílias não têm propriedade da terra, são exploradas por grandes oligarcas e obrigados sobretudo a praticar monocultura da qual não obtém benefícios; o enorme índice de analfabetismo (sobre o idioma castelhano imposto aos idiomas locais) afasta muitas pessoas da participação, seja política, seja social; as doenças são muitas provocadas pela precariedade em que vivem, faltam hospitais, vivem a horas deles e mortes de crianças ou de mulheres em trabalho de parto vão-se tornando normais; num país onde a educação secundária é na sua maioria privada podemos facilmente imaginar o enorme número de jovens sem estudos e finalmente se menciona que não existe uma única comunidade com luz eléctrica.

Temos então assim um resumo das condições de vida precárias destas comunidades que agora estão a começar um sonho de criar um município alternativo, onde os direitos dos povos indígenas sejam reconhecidos, tais como o direito de controlo dos recursos naturais e o direito à terra. São comunidades conscientes da necessidade de recuperar uma identidade arrancada pela espada, pelas balas, bombas e napalm ao longo da larga noite dos 500 anos, conscientes em recuperar a sabedoria ancestral sobre plantas medicinais, por um sistema agrícola ecológico de manutenção de recursos, por uma espiritualidade antiga que ainda perdura nos guias espirituais maias.

Será uma tarefa difícil uma vez que ameaças de cobiça e poder pairam sobre a região, amaldiçoada por ter tanta riqueza. Falamos de imensos rios limpos que estão debaixo de olho de grandes empresas multinacionais de produção de energia eléctrica. Como continuação da conquista, são na maioria europeias, tais como Endesa, Union Fenosa do Estado Espanhol e a INDE, italiana. Falamos de terras férteis que beneficiam de um clima húmido e generoso mas que também terá os seus dias contados se persistir o monocultivo debaixo de uma lógica de lucro ou for imposta a invasão do sector madeireiro ou de biocombustíveis na região. E como não há duas sem três, o interesse do sector de extracção mineira no subsolo da região ao qual estão aliadas grandes corporações da guerra tais como a SANDIA ou a Lockheed Martin. Uma vez mais, por não nos estendermos, aqui fica outro compromisso para uma análise mais profunda sobre estes problemas que são reais e afectarão a vida destas populações de uma maneira trágica, já que o destino programado para elas, após a perda das terras, será o trabalho mal pago nestas obras. Assim que o SOS, a Associação Canaria Siembra e colectivos guatemaltecos como Madreselva ou mexicanos, COMPPA, estão solidários e comprometidos com esta região.

É um longo trabalho, para o qual se volta a convidar as pessoas próximas ao SOS, que queiram para além de se solidarizar, aprender a viver a diversidade cultural que o nosso maravilhoso mundo tem para nos oferecer.

Links:

Comppa
Madreselva
Guatemala Medios Independientes


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