domingo, 26 de abril de 2009

Ciganos: números, abordagens e realidades

(300 páginas, 2001, 5€) – Oferta na inscrição como sócio do SOS Racismo.

Estudo exaustivo da situação das comunidades ciganas em PortugalAquando dos tristemente célebres acontecimentos de Vila Verde (Verão/96) e no seguimento do caso, o SOS Racismo publicou uma pequena brochura que, além de historiar todo o processo, teve um enquadramento cultural, cronológico e jurídico. Também procurámos, na altura, saber o que pensavam as Câmaras Municipais. À época, apenas conseguimos obter 9 respostas.
Depois de Vila Verde, o que mudou? Como se encontra, hoje, a comunidade cigana? O que é que sabemos deles?
Foi para tentar responder a estas e outras perguntas que o SOS Racismo se meteu ao caminho, tentando recolher informações, vasculhar jornais, colectar dados e documentos, saber as opiniões de gente que se tem dedicado a esta problemática, compilando números recolhidos por nós e por outras pessoas e associações.
A primeira constatação é a de que o movimento associativo cigano recrudesceu e o aparecimento de novas associações ciganas nestes últimos anos, a juntar às poucas, pioneiras que existiam, é um passo importante para a procura das respostas aos problemas com que se debate a comunidade cigana.
Este livro é mais do que uma colectânea de textos de ”experts”, de gente que fala sobre ciganos, um conjunto de testemunhos vivos, optimistas uns, desencantados, outros, mas sempre baseados nos conhecimentos que só a experiência e a vivência da própria comunidade pode dar. Não se trata, portanto, de gente a escrever sobre ciganos (há alguns) mas, essencialmente, de ciganos a relatar os seus próprios problemas e a procurar reflectir acerca deles e a tentar resolvê-los.
Sempre acreditámos, desde o início da nossa existência enquanto associação anti-racista (ver anexos), que a resposta, as respostas aos problemas da comunidade cigana, só poderiam começar a aparecer, quando ela própria se começasse a organizar e, motivada por essa auto-organização e independência, iniciasse uma reflexão sobre como chegar à resolução dos seus problemas e, evidentemente, quando começasse a AGIR.
Pensamos que é neste ponto que nos encontramos, conforme pode ser comprovado pelos muitos textos das e dos próprios actores sociais, de vários pontos do país.
Acabar com o paternalismo inconsequente estatal, religioso e político, até agora em vigor, é o que está a ser conseguido pelas associações ciganas que se (formaram) estão a formar.
Por isso, este livro reflecte a experiência de associações que foram pioneiras, bem como as que lhes foram seguindo as pisadas, que surgiram fruto dos obstáculos que a sociedade de “acolhimento” foi criando, ou pelas dificuldades intrínsecas à própria comunidade, como é exemplo a constituição da recente associação de mulheres ciganas.
Mas, este nosso trabalho, também tem documentos de outros ciganos e não ciganos, a falar de realidades que, ainda, não deram origem a qualquer tipo de resposta organizativa.
Não tivemos dúvidas em procurar outras experiências (estado espanhol), porventura mais desenvolvidas que as nossas, para permitir pontos de comparação e de encontro que possam ajudar a desenvolver as nossas próprias perspectivas.
Mas, o que nos fez ser mais ambiciosos do que no passado foi, essencialmente, a boa aceitação por parte das Câmaras Municipais do nosso inquérito e as respostas que nos fizeram chegar. Cerca de duzentas Câmaras responderam ao nosso pedido. Quase 2/3 das existentes no país!
Aqui, sim, se nota a diferença em relação há cinco anos.
Constata-se, portanto, que de uma forma ou de outra, este assunto já não é indiferente à grande maioria dos nossos representantes locais. E, sem entrar na análise ao inquérito que é feita mais adiante, o facto de os municípios terem acedido a responder tem já o seu significado. É também uma boa proposta de trabalho a quem queira aprofundar este assunto.
A par dos números que as Câmaras nos foram fornecendo, procurámos juntar outros, de outras fontes, de outras associações, como é o caso do projecto Dignidade e do Secretariado Diocesano de Lisboa da Obra Nacional para a Pastoral dos Ciganos.
A análise destes quadros, bem como as respostas, sobretudo as respostas que fomos recolhendo pelas diferentes fontes, têm que ser cruzados. Há inúmeras contradições, bem visíveis quando juntamos o trabalho de pesquisa feito pelo SOS Racismo à imprensa.
Este trabalho, que agora vos propomos é, portanto, um esforço do SOS Racismo, de pessoas a título individual e de muitas associações nacionais e do Estado Espanhol e, por outro, das instituições que se dignaram responder ao nosso desafio.
O que está neste documento é apenas aquilo que fomos capazes de fazer no pouco espaço de tempo que tivemos. É apenas o início de uma procura de respostas que têm que ser encontradas no cruzamento dos dados, na verificação prática dos projectos e actividades em curso. Mas, mais importante, talvez, é o que ficou por dizer, as respostas que não foram dadas, o que não tem sido feito. Tudo isto é, seguramente, mais importante para se perceber o porquê de uma discriminação secular que, desde Vila Verde não sai das páginas dos jornais, mas cuja situação nada melhorou.
A precaridade, o analfabetismo, o insucesso escolar (um estudo da Pastoral de 1995 revelou que 45% das crianças dos 6 aos 15 anos não estavam matriculadas na escola, e das que estavam, apenas 68% iam à escola), a ausência de saídas profissionais que compensem o desaparecimento progressivo das profissões tradicionais da comunidade - é ver as dificuldades que muitas Câmaras colocam aos vendedores ambulantes ou mesmo o fim de mercados tradicionais por troca pelas grandes superfícies - os estigmas que a sociedade lhes cola à pele, as miseráveis condições de vida (habitação precária, etc.) em que se encontra grande parte da comunidade, tal como há 5 anos, continua hoje a agravar-se apesar dos esforços de associações e projectos da sociedade civil.
O que se pode constatar é que o Estado, para além de muitos municípios, se tem demitido completamente e passado ao lado dos problemas desta comunidade. Como é discutido em detalhe na análise do questionário enviado às Câmaras (Capítulo 1), raramente as autarquias reconhecem problemas de exclusão resultantes da discriminação étnica de que os ciganos são alvo. Um dos sinais mais evidentes é o facto de não desenvolverem iniciativas destinadas à população não cigana. A ausência de medidas práticas do Grupo de acompanhamento ligado ao Alto Comissário é apenas um exemplo (a situação dos mediadores socio-culturais há 8 anos sem estatuto reconhecido é bastante significativa) da falta de vontade política destes governos.
Há uma realidade incontornável, por mais discursos demagógicos dos ministros: os ciganos de Norte a Sul do país são cada vez mais estigmatizados, vivem cada vez pior, são vítimas de um número crescente de agressões xenófobas, sob o olhar complacente, muitas vezes cúmplice e algumas vezes activo daqueles que foram eleitos para resolver os problemas de todas e todos os que vivem e trabalham em Portugal, na qual, evidentemente, se inclui a COMUNIDADE CIGANA!
Que este trabalho possa ser um humilde contributo para que a comunidade cigana ganhe direito de cidadania até agora ausente, é o que vivamente esperamos.

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