domingo, 5 de abril de 2009

A Imigração em Portugal


(425 páginas, 2002, €5 - oferta na inscrição como sócio)

Nesta volume, o SOS Racismo pretende contribuir para lançar os alicerces de um verdadeiro debate sobre a imigração em Portugal e na Europa, revelando dados objectivos e desconstruíndo os diferentes mitos que normalmente “baralham” a discussão, que se quer séria, sobre a entrada de imigrantes no país.

O debate na nossa sociedade em torno do fenómeno da imigração é, de um modo geral e talvez surpreendentemente, demasiado reducionista e mal informado. O SOS RACISMO pretende contribuir para lançar os alicerces de um verdadeiro debate sobre a imigração em Portugal e na Europa, revelando dados objectivos e desconstruíndo os diferentes mitos que normalmente “baralham” a discussão, que se quer séria, sobre a entrada de imigrantes no país.

Razões de imigração


O ponto de partida para a análise dos fenómenos migratórios tem que ser a motivação das pessoas para abandonar a sua comunidade e imigrar para a Europa. É evidente que não basta dizer que os imigrantes fogem da miséria à procura de uma vida melhor já que, o mais importante, é reflectir sobre as políticas objectivas que provocam tais fluxos migratórios. Em primeiro lugar deve-se considerar a internacionalização da produção (por exemplo, a mundialização do mercado dos produtos agrícolas que empurra a grande generalidade dos países em desenvolvimento para uma agricultura de grande escala, orientada para a exportação). Esta, ao suplantar os pequenos produtores locais, leva à criação de uma nova força de trabalho, assalariada e com grande mobilidade, eventualmente sazonal e, porventura, precária. Essa mobilidade adquirida transforma estes trabalhadores em eventuais candidatos a fluxos migratórios internos, para os centros urbanos ou, então, à emigração internacional.


Por outro lado, a instalação de centros de produção para exportação, permite o contacto com os países de onde provêm os capitais, reduzindo assim a “distância subjectiva” entre o trabalhador estrangeiro e esses países. Dito de outro modo, se eu estou aqui a colher frutos para uma exploração agrícola norte americana ou se eu estou aqui a montar peças para uma fábrica francesa, também o poderei fazer igualmente bem nos Estados Unidos ou em França.


Outra das principais razões que leva à imigração é a guerra. Uma fracção muito importante dos imigrantes que entra anualmente na Europa é proveniente de países em guerra, do Kosovo ao Afeganistão. São refugiados que fogem para salvar a vida, ou porque o caos em que o país de origem mergulhou devido à guerra tornou a sua sobrevivência impossível.
Um outro factor que promove os fluxos migratórios é o estrangulamento económico dos países em vias de desenvolvimento, causado pelos programas de reajustamento estrutural, planos de reforma económica e medidas de austeridade impostos por organizações como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial ou a Organização Mundial do Comércio. Estamos, assim, a falar de refugiados económicos, pobres e obrigados a imigrar na busca estratégica da sobrevivência.


Invasão descontrolada ?


Esta listagem, não exaustiva, de factores que promovem os fluxos migratórios, assim como uma análise cuidada do fenómeno da imigração no passado, revela que, ao contrário do que normalmente se assume, a dinâmica da imigração não é determinada apenas pela diferença de riqueza entre países ricos e países pobres. Por exemplo, apesar da diferença do nível de vida económico entre Portugal e a Alemanha, e da liberdade de circulação na União Europeia, não se verificou nos últimos anos um êxodo em grande escala de trabalhadores portugueses para os países mais ricos da União.


Um outro exemplo que ilustra esta afirmação é o da emigração da região das Caraíbas para os países do norte. Esta emigração foi determinada por vários factores importantes:
- as escassas possibilidades económicas nestes pequenos países, com crónica falta de emprego;
a existência de mercados de trabalho abertos nos países desenvolvidos, particularmente durante o boom de 1950-1973;

- a ausência de problemas de integração nos países de acolhimento (pela língua comum);
- o regime de fronteiras abertas praticado (os cidadãos das colónias britânicas tinham direito a residência na Grã-Bretanha, pelo menos até ao início dos anos 70;

- liberdade de movimento entre Porto Rico e os Estados Unidos;

- as ex-colónias francesas na região tornaram-se Départments de França; e, desde a conversão de Fidel Castro ao comunismo em 1961, o regime excepcionalmente liberal relativamente à imigração de Cuba para os Estados Unidos).


Esta excepcional liberdade de movimento, praticamente sem restrições, produziu entre 1950 e 1980 uma taxa de emigração de 6,9% da população, por década. Podemos especular sobre o que se passaria nos fluxos migratórios Sul-Norte na ausência de restrições à mobilidade. Uma taxa de 6% por década implica, para os países do Sul, uma emigração da ordem dos 240 milhões de pessoas por década, ou seja, 24 milhões por ano, o que equivale a um aumento anual da população do Norte em 2,4%. É interessante comparar este número com o das necessidades de pessoas, na Europa, para manter os ratios de população activa/inactiva, nas próximas décadas!


Políticas de imigração


De facto, mais importante do que um eventual diferencial de riqueza, a imigração auto-regula-se, em função do mercado de trabalho. Ninguém vai abandonar a sua comunidade para viver a milhares de quilómetros se aí não encontrar emprego e formas de subsistência. O desenvolvimento na última década da Europa-fortaleza, com o seu agressivo controlo de fronteiras não é, na realidade, causada por uma preocupação com um eventual excesso de imigrantes na União Europeia mas é, sim, um mecanismo de precarização da força de trabalho dos imigrantes que chegam.

O empenho das autoridades, desde a década de 70, na criação de estatutos jurídicos precários (vistos de permanência, regimes laborais especiais para estrangeiros, títulos sazonais de trabalho, etc) tem como consequências evidentes, não só o dificultar a integração do imigrante mas também, o obrigar os nacionais a manter o status quo. Assim, quando se propõem determinadas condições de trabalho ao imigrante, o trabalhador nacional fica como que “entre a espada e a parede” pois, se não aceitar as condições do imigrante, arrisca-se a ver-se preterido em relação a ele. Deste modo, contribuí-se para criar no trabalhador nacional uma animosidade que vai dificultar, ainda mais, a coesão social entre ambos.


A precariedade do estatuto legal do imigrante provoca, ainda, efeitos perversos nos próprios fluxos migratórios pois, ao ver negado o seu “direito de ir e vir”, o imigrante acaba por optar quase sempre pela sedentarização clandestina.


Depois da lei das Autorizações de Permanência do anterior governo, foi agora apresentado um novo “Plano Nacional de Imigração” que traz duas grandes novidades: por um lado, transfere a responsabilidade de atribuição dos vistos de trabalho para os consulados nos países de origem dos imigrantes apesar de, como todos sabemos, os consulados serem mais susceptíveis à corrupção pelos esquemas mafiosos já instalados. Por outro lado, vem mais uma vez constranger a mobilidade dos imigrantes (literalmente o direito à livre circulação e livre instalação no país) ao introduzir a descentralização da política de imigração, transferindo as responsabilidades para os municípios, em função das necessidades locais de mão-de-obra.


Independentemente das óbvias dificuldades técnicas para a sua implementação, este plano municipal de imigração é politicamente insustentável, se atendermos à quase unânime inexistência de políticas autárquicas para as minorias étnicas (como se comprova pelos inquéritos às câmaras municipais apresentado no Capítulo III).


Acordos bilaterais


Enquanto continuar a haver regimes corruptos nos países do Sul que só se preocupam em se manter no poder, muitos problemas nunca encontrarão solução e, entre os problemas que vão continuar sem solução para o Terceiro-Mundo, a imigração continua a ser premente. É de assinalar que muitos dos benditos “acordos bilaterais” são meros mecanismos de controlo das riquezas e dos recursos humanos do Terceiro-Mundo. Assim, para os imigrantes, o jogo é viciado logo à partida. Tanto a nível administrativo como jurídico, os países do Sul nunca se preocuparam com o estatuto do imigrante. Para a Administração Pública, cada candidato à imigração é uma preciosa fonte de dinheiro (a rapidez ou a lentidão da emissão dos passaportes dependerá exclusivamente do bolso do potencial candidato). Todos os trâmites pseudo-legais constituem uma forma de enriquecimento para alguns caciques instalados nos meandros do poder: uma autêntica mafia de Estado. Para os regimes destes países, a imigração tornou-se mais um pretexto para assinar acordos bilaterais (fundos para formar polícia e marinha locais, modernização das infra-estruturas policiais e judiciais para melhor combate ao tráfico de seres humanos, fundos sociais para fixar as populações, etc). O indivíduo imigrante é, portanto, reduzido uma potencial matéria-prima, motivo de especulação tal como o diamante, o ouro, o petróleo no mercado europeu, etc.


Políticas de integração


Para a opinião pública e, sobretudo, para a comunicação social, o debate em torno do fenómeno da imigração parece condenado a estar associado ao crescimento dos partidos de extrema-direita por toda a Europa. A xenofobia assumida de Le Pen ou de Haider, assim como os discursos anti-islâmicos de Berlusconi, e outros, no pós 11 de Setembro marcam, de facto, na agenda, a discussão do “problema da imigração”. Do ponto de vista estrito porém, os “problemas” de que a extrema-direita europeia fala, não estão relacionados com o controlo do fluxo de imigrantes per se, que como vimos, está associado à precarização do trabalho dos imigrantes e consequente limitação dos seus direitos, mas com o problema da sua inserção social e cultural nas comunidades de acolhimento. Quando as sociedades europeias não desenvolvem políticas de integração, ou quando o fazem é no sentido da assimilação cultural.


Consideremos, por exemplo, as medidas tomadas ao nível da habitação. A gestão do espaço urbanístico tem sido encoberta por políticas racistas e xenófobas. Todos os planos e programas de realojamento (P.E.R) responderam, antes demais, a critérios meramente económicos sem terem qualquer preocupação sócio-política ou levando em consideração as especificidades socioculturais e económicas dos imigrantes. A lógica do mercado imobiliário imperou assim sobre a possibilidade política de resolver um dos problemas sociais mais agudos com que se defrontam os imigrantes. E os imigrantes foram mais uma vez empurrados para as zonas degradadas e menos cobiçadas, levando à proliferação dos guetos (Quinta do Mocho, Bela Vista, Buraca, Apelação, etc).


Esta situação tem provocado uma estratificação da cidadania, em que nasceram várias categorias de cidadãos. À medida que as políticas discriminatórias se vão cristalizando, os imigrantes e os seus filhos, apesar destes últimos nascerem cá, enfrentam os mesmos tratamentos como se de cidadãos não se tratassem. Aliás, a própria classificação de ambos, denota a maneira como são vistos na sociedade. Encontraram-lhes a funesta e arbitrária denominação de 1ª, 2ª, 3ª geração. Ora, esta categorização só ajudou a estigmatizar os filhos de imigrantes colando-os a preconceitos racistas e xenófobos que, obviamente, têm dificultado o diálogo intercultural e, por conseguinte, tem abortado o processo de inclusão social. Pese embora todas as falhas inerentes a este tipo de “estigmatização”, as autoridades fecharam sempre os olhos sobre a realidade das consequências e também das repercussões de uma tal postura no seio de uma comunidade que se quer intercultural.


De facto, não obstante as visíveis incompatibilidades entre esta situação e o conceito de cidadania, verifica-se que, mesmo as áreas-chave para uma integração concreta dos imigrantes não são realmente contempladas.


Neste caso concreto, podemos referir-nos à educação, ao emprego, à saúde, etc... A pseudo ameaça contra a pureza e a homogeneidade culturais, a insensata preferência nacional, foram grandes bloqueios para a transformação política e qualitativa do sistema educativo. A educação deve ser um dos pilares das políticas de integração. Ao formar os imigrantes e os seus filhos, o Estado contribui incomensuravelmente para que se sintam plenamente cidadãos tal como os demais, de modo a que, possam efectivamente estabelecer um laço com o espaço onde vivem. Esta educação deve responder ao critério da laicidade. Ora, para tal, o sistema necessita de uma total revolução através da qual se possa implementar uma educação intercultural onde as diversidades socioculturais são tidas em consideração num diálogo mútuo de respeito. Já que a educação vai além da instrução, ela tem forçosamente que traduzir-se em formação profissional, alfabetização e revalorização cultural. Assim sendo, para estas comunidades muito frágeis e vulneráveis, o Estado deve encontrar, numa fase inicial, entre outras medidas, um processo de aproximação ao sistema, através, por exemplo, da figura do Mediador sociocultural. Infelizmente, o projecto da carreira de mediador sociocultural quase morreu à nascença devendo-se essa morte à demagogia política do Governo socialista! De modo a acabar com a demagogia de que os imigrantes são muitas vezes marginalizados no mercado do trabalho, no acesso ao direito à cidadania, por serem pouco ou nada competitivos, a educação e a formação constituem uma das medidas paradigmáticas no processo de uma integração efectiva desta comunidade.


Cidadania


Relativamente a esta política de integração, como está aliás, subjacente ao longo de todo o livro, a pertinência e a execuidade de qualquer política de imigração deve, antes de mais, basear-se no conceito da cidadania. Ora, o discurso oficial acerca da construção da União Europeia faz-se à volta deste conceito. De resto, nunca poderia ter sido de uma outra forma, dado o mosaico diversificado de países com concepções diferentes de Nação que fazem parte da U.E. Desde a Revolução Francesa, tem havido muitas hesitações por partes dos Países Europeus acerca da fronteira entre o conceito de cidadania e o conceito de nacionalidade. À revelia da politiquice, do voto útil, das manobras de alguns sectores conservadores e xenófobos, foi negado ao imigrante o estatuto jurídico de cidadão. Ora, a U.E não terá nenhuma outra alternativa fiável a não ser a de alargar e estender a cidadania a todas as pessoas que vivem no seu espaço. Aliás, há muito tempo que um diversificado movimento social se tem debruçado sobre esta problemática, e tem encarado a luta pela cidadania para todos como uma prioridade inalienável. Infelizmente, a construção da cidadania europeia tem excluído um sem número de pessoas. De facto, cidadania implica o acesso ao direito de uma forma efectiva. Ou seja, é nesse âmbito que nasceu um forte movimento para a cidadania que culminou com uma posição oficial da Enar, tomada no mês de Junho 2002 . Trata-se de uma posição firme e inequívoca intitulada o Apelo de Madrid. O Apelo de Madrid, constitui uma iniciativa de várias pessoas oriundas de diferentes sectores da opinião pública e defende uma cidadania de residência tal como o S.O.S. Racismo sempre defendeu na Carta Dos Residentes há já vários anos e que constitui uma ferramenta de trabalho, ou melhor, um ponto de partida para uma reflexão mais aprofundada sobre o direito à cidadania.


Mamadou Ba & Miguel Brito

Sem comentários: