Falamos de muros porque o muro de Berlim caiu e o mundo parece que festeja, quando tantos outros se levantaram. Muros que surgiram precisamente do lado de quem mais gritava sobre o betão que dividia a cidade de Berlim. Mas o “país da liberdade” consegue superar as suas crueldades, saltar as barreiras da hipocrisia e do discurso duplo. Só em 12 anos, o número de mortos superou em 15 vezes as pessoas que perderam a vida tentando atravessar o muro de Berlim. Logicamente não podemos comparar as coisas, mas usar os números para denunciar a hipocrisia e a brutalidade do monstro criado pelos EUA, sim. Temos e devemos fazê-lo.
O muro real e virtual que há anos se está a erguer na fronteira sul dos E.U.A. representa uma injustiça atroz, mas ao mesmo tempo flagrante, das políticas deste país para com os seus vizinhos do sul.
Diariamente os recursos naturais dos países latino-americanos transformam-se em mais-valias económicas na bolsa de Wall Street, potenciando o crescimento económico do gigante do norte. No sul, as pessoas vão ficando mais pequenas, com menos direitos. Um deles é o direito de circulação, um direito negado, inversamente proporcional ao direito de circulação das referidas mercadorias.
O México, desde a assinatura do Tratado de Livre Comércio em 1994, tem vindo a transformar-se gradualmente num filtro de seres humanos que diariamente tentam alcançar a riqueza que lhes é roubada. O muro no sul dos E.U.A. é apenas a parede final. Antes disso estão os acordos de imigração que este país cumpre com xenófobo zelo para evitar a entrada de pessoas da América Central. Vejamos dados de 2006.
As autoridades mexicanas deportaram nesse ano 179 mil imigrantes, dos quais, 94% eram provenientes da América Central. Este pequeno istmo que divide o norte e o sul do continente americano é um dos lugares no mundo onde o fosso entre ricos e pobres atinge níveis drásticos do ponto de vista social.
O país filtro cumpre a sua função. 179 mil pessoas não passaram. A barreira final, as “Border Patrol” dos EUA deportaram nesse mesmo ano 858 mil pessoas indocumentadas.
Os dados são da FIDH (Federação Internacional pelos Direitos Humanos) que acusa as autoridades da prática da “prevenção pela dissuasão” que consiste em desviar as rotas de migração para zonas mais perigosas com o objectivo de que “as numerosas mortes dissuadam os outros migrantes.” Num documento entregue às autoridades do México e dos EUA, revela que cerca de 4000 pessoas perderam a vida desde 1994, na tentativa de atravessar o deserto.
Pessoas a quem lhes é privado o direito de se defenderem legalmente, ao abrigo de legislações que criminalizam e reprimem. Pessoas que vêm de situações de pobreza extrema e não entraram nas contas dos 30 000 milhões de dólares investidos nesta barreira. Pessoas que, pela precarização humana a que foram sujeitas, sofrem de maus tratos, violações, sequestros e extorsões cometidas pelos “passadores”, com a cumplicidade das autoridades. Corrupção e impunidade andam de mãos dadas por estes lugares, como se não houvesse muros.
Para consultar documento: http://www.fidh.org/Muros-abusos-y-muertos-en-las-fronteras,5336
Mas é também necessário analisar este fluxo massivo de seres humanos, do sul para o norte. Económica e socialmente usam-se estes termos geográficos para definir pobreza e riqueza. A riqueza a norte, a pobreza a sul. Está o mapa, estão os termos invertidos, ou subvertidos, se quisermos. Lembremos que o mapa engana. Os continentes do sul são maiores do que parecem, há quem defenda até que o sul deveria estar acima. Aos países pobres deveríamos chamar países empobrecidos, já que de riquezas está o seu solo cheio, assim como de injustiças estão. Injustiças criadas pelos vizinhos do norte.
Do Canadá, a companhia mineira INCO, extrai toneladas de ouro e outros minerais dos solos da América Central. Empresas como a Coca-cola, tomam conta de recursos aquíferos, a Monsanto monopoliza a biodiversidade em nome do lucro… E poderíamos continuar. Em resumo. Ao norte chega o dinheiro, no sul fica a pobreza e as consequências ambientais. Em muitos casos as transnacionais guardam 99% dos lucros dos recursos naturais dos outros. Crescem os lucros, crescem os pobres.
De leis assim e das suas consequências alimentam-se os cartéis de droga e as empresas de armamento. Duas razões que justificam o investimento faraónico em defesa e tecnologia por parte dos estados de ambos os países. Duas razões que justificam as leis sobre imigração que atentam contra os mais básicos direitos humanos.
O norte do México está a ferro e fogo. Cartéis contra polícia? Ou polícia e cartéis de boas relações? Chega aos 3000 dólares o que o “coyote” cobra por passar a fronteira, dinheiro que vai servindo para a formação de mais bandas criminosas. As mesmas que a televisão mostra para “informar” do perigo que representam os “latinos”.
Deste dinheiro ilegal muita gente lucra. Como se lucra com a ilegalização da humanidade. E a humanidade perde. Vai perdendo… à medida que o muro cresce. Querem chegar aos 1200km! São milhões de metros de vergonha, milhões de desumanidades e de hipocrisias. Milhões de enganos com um presidente que ia acabar com o racismo e juntou-se à festa da queda do muro de Berlim. Enquanto o mundo festejava, o muro ia crescendo. Enquanto nós lemos, o muro vai crescendo.
E quando se derrubará este muro? Quando estaremos a fazer realmente a festa porque os milhões de metros de racismo, de intolerância vinda das democracias que nos deveriam representar, realmente acabam. Sem hipocrisias, sem festas dissuasoras.
Mais informação em:
http://www.nomoredeaths.org
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